terça-feira, 8 de junho de 2010

Seu sangue ainda corria, quente. Estava ali, emaranhado em dezenas de fios e sondas e agulhas que nem sabia para que serviam, mas que não ousava tirar. O coração ainda batia, embora estivesse bem mais fraco do que antes. Sabia que a morte, em poucas horas, viria lhe buscar e não teria outra alternativa, senão aceitar o fim da vida que lhe foi destinado após seus recém-completados 51 anos de vida. Era seu leito de morte. Não havia ninguém por perto. Ninguém viera lhe visitar. Não tinha amigos, muito menos família. Há anos vivia jogado nas ruas e entre alguns papelões e cobertores que dera a sorte de encontrar no lixo, dormia e tentava sonhar. Agora não estava mais nas ruas e sim, deitado naquela maca sem cor, comendo comida sem gosto e sendo observado por médicos que, definitivamente, não tinham vontade de trabalhar. Chamava-se Antônio, o ex-morador de rua que agora estava ali vendo a vida passar por seus olhos em rápidos flashes que revelavam sua tão curta e tão experiente trajetória vital. Lembrou-se de quando era criança: do pai que não conheceu, da mãe que se recusava a dizer um simples "eu te amo, meu filho" e dos irmãos que eram tão indiferentes a tudo o que se passava. Lembrou-se também, de seu primeiro amor... Maria. Entre tantas Marias que existiam no mundo, aquela era dele, só dele. Lembrou-se de como tudo acabou, de como Maria se foi e de como foi doloroso vê-la partir. Lembrou-se de seu primeiro emprego. Trabalhou durante sete anos como balconista da Mercearia do seu João, um amigo da família. Veio em sua mente a imagem de seu João sentindo dores no peito e suplicando por socorro, enquanto ele, assistia a tudo parado, pois não conseguia reagir. Finalmente, lembrou-se da morte de sua mãe e seus irmãos... Um incêndio na pequena casa em que moravam levaria embora tudo aquilo que tinha. Não lhe restou mais nada. Não tinha mais família, mais amores, mais amigos, mais emprego, mais nada. A noite paulistana parecia muito mais bela quando ainda não era vista do chão, da calçada, da sarjeta. Passou dias sem comer, sem beber sequer um copo d'água, mas não desistiu. Sabia que em algum lugar, alguém estava a sua espera.
Antônio está deitado na maca, desacordado. Os médicos tentam reanimá-lo, mas as tentavivas falham. Não há mais o que fazer. O homem já encontrou quem lhe esperava. A Morte, que já se tornara, depois de tudo o que passou, uma velha conhecida.

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